É comum que praticantes de atividade física se deparem com dias ou até mesmo
longas fases em que a disposição para treinar é reduzida. Estas variações são
até certo ponto comuns e mesmo os atletas de alto nível passam por elas. Para se
romper tais barreiras, muitas pessoas têm utilizado suplementos que prometem
melhorar a disposição e o rendimento, os famosos "pré-treino".
Tais suplementos são vendidos com as mais diversas justificativas, como aumentar
a produção de força, retardar a fadiga, promover inchaço na musculatura, etc. É
uma proposta extremamente atrativa, pois diminui a responsabilidade das pessoas
e transfere para um pote!! Com isso, o treinador não precisaria mais planejar e
o atleta não precisaria vencer suas próprias limitações!! Bastaria tomar
comprimidos e pronto!
As composições dos pré-treino variam muito entre produtos e fabricantes, no
entanto, alguns componentes comumente encontrados são a creatina, cafeína,
arginina e beta-alanina. Com relação à arginina e seus derivados, a proposta é
atuar no ciclo do óxido nítrico, uma proposta infundada e comprovadamente
ineficiente, inclusive isso já foi tratado em um texto anterior (Oxido
nitrico) e está confirmado em uma revisão de literatura recente (Bescos,
2012). Outro suplemento que já foi abordado em um texto antigo, mas que continua
com opiniões atuais, é a creatina (Creatina).
Apesar de a creatina ser um bom suplemento, os pré-treino normalmente também
levam cafeína em sua fórmula, e a ingestão concomitante dessas substâncias
compromete os efeitos benéficos da creatina, podendo eliminar completamente o
seu efeito ergogênico (Vandenberghe et al., 1996; Hespel et al., 2002).
Resta então analisar a cafeína e a beta-alanina.
Cafeína
A cafeína é um alcalóide da xantina que atua como estimulante do sistema nervoso
central e tem sido acrescentado nos suplementos com o intuito de deixar o
praticante mais disposto para o treino. No entanto, os resultados de estudos
envolvendo a utilização da cafeína para melhora da performance são controversos.
Nas revisões sobre o tema, é possível encontrar estudos em que houve melhora e
estudos em que houve piora de performance (Burke, 2008; Astorino & Roberson,
2010; Davis & Green, 2009) , tornando difícil estabelecer uma posição clara. O
que se sabe é que há uma grande variedade nas respostas individuais à ingestão
de cafeína e alguns fatores que parecem influenciar sua eficiência são: 1)
duração da atividade (benefícios em atividades superiores a 60 segundos); 2)
ingestão habitual (melhores resultados em pessoas que não ingerem cafeína
habitualmente); 3) nível de treinamento (melhor em pessoas treinadas) e 4)
dosagem (efeitos a partir de 3mg/kg).
Sobre esses pontos deve-se esclarecer que: 1) a duração da atividade não é a
comumente encontrada na musculação, pois cada série normalmente dura menos de um
minuto. 2) A população brasileira em geral ingere bebidas com cafeína, como o
café, refrigerantes, bebidas energéticas, etc. 3) A maior parte das pessoas que
tomam esses suplementos não estão no nível de treinamento dos participantes dos
estudos. 4) A dosagem de cafeína encontrada nos suplementos normalmente varia
entre 35 a 140mg, o que não seria suficiente para trazer os efeitos procurados.
Somando tudo isso, vemos que dificilmente os suplementos trariam os efeitos
esperados para os praticantes de musculação.
Algo muito subestimado com relação à cafeína são os efeitos colaterais. Se ela
exercer o efeito estimulante, haverá consequentemente maior sobrecarga
cardiovascular (Riksen et al., 2011; Butt et al., 2011; Mesas et al., 2011),
aumentando os riscos à saúde. Além disso, como acontece com todo estimulante, a
ingestão de cafeína tem o efeito potencial de gerar acomodação. Desse modo, a
ingestão habitual dos suplementos levaria o organismo a se acostumar, gerando a
necessidade de doses cada vez maiores e a dependência. Essa dependência vem
associada a diversos problemas cientificamente comprovados como problemas do
sono, depressão, alterações no humor, etc (Bergin et al., 2012; Reissig et al.,
2009; Roehrs & Roth, 2008; Ogawa & Ueki, 2007).
Beta-alanina
Durante a atividade física intensa de duração prolongada, é necessário recorrer
à glicólise anaeróbia, o que resulta na formação de uma grande quantidade de
íons H+, isto, segundo alguns autores, pode estar associado à fadiga. Apesar de
ser controverso se a acidose é associada à fadiga em eventos de curta duração
(ver o texto
Lactato, acidose e fadiga), pode ser que haja interferência nas atividades
mais longas. Para contrabalancear a acidose, nosso corpo dispõem de sistemas de
tamponamento, dentre os quais se encontra a carnosina (Hobson et al., 2012).
A beta-alanina é um precursor da carnosina, um dipeptideo formado pela ligação
da beta-alanina com a histidina. Como a beta-alanina é o principal limitante da
disponibilidade de carnosina, sua suplementação tem sido usada com a finalidade
de aumentar a quantidade desta e, consequentemente, retardar a fadiga e diminuir
a concentração de metabólitos em resposta ao exercício.
De fato, há estudos com atividades contínuas (Ghiasvand et al., 2012; Sale et
al., 2012) e intervaladas (Saunders et al., 2012) que verificaram aumento do
tempo até a exaustão e redução na concentração de lactato com a suplementação de
beta-alanina. No entanto, tais resultados são contrapostos por estudos que não
encontraram efeitos benéficos, especialmente quando a amostra foi composta por
pessoas treinadas (Smith-Ryan et al., 2012; Jagim et al., 2012; Saunders et al.,
2012).
Em uma meta-análise sobre o tema, Hobson et al. (2012) concluem que a
suplementação de beta-alanina pode auxiliar em exercícios com duração maior que
60 segundos, mas não em exercícios com duração inferior a essa. A melhora seria
de 2,85% na performance com uma suplementação de 5,12g diárias de
beta-arginina... um custo-benefício pouco atraente (por curiosidade eu não
consegui ver a concentração de beta-alanina nos suplementos que olhei). Desse
modo, seria possível inferir que a suplementação ajudaria pouco o praticante de
musculação, pois são raros os treinos em que o esforço dure mais do que 60
segundos, como falado anteriormente. A exceção seriam alguns tipos de treinos
metabólicos, no entanto, a relevância disso ainda seria discutível. Se pensarmos
em alguém que realiza 15 repetições de um determinado exercício, tal benefício
não chegaria nem a ser uma repetição a mais. Ou, ainda, se pensarmos em alguém
que utiliza 100kg para determinado exercício, as melhoras não chegariam a 3kg!
Mais discutível ainda seriam os benefícios da diminuição no estresse metabólico
em longo prazo, pois já existem diversos estudos que associam o acúmulo de
metabólitos aos ganhos de força e massa muscular (Schott et al., 1995; Takada et
al., 2012). Dessa forma, deve-se questionar até que ponto tal redução seria
desejável, pois poderia interferir negativamente nas adaptações ao treino.
O que se tem sobre musculação é um estudo britânico no qual se suplementou 6,4
gramas diárias de beta-alanina em estudantes de Educação Física que praticaram
musculação por 10 semanas. Apesar da suplementação aumentar a quantidade de
carnosina no músculo, não houve efeitos positivos nos ganhos de força e nas
alterações na composição corporal (Kendrick et al., 2008). Não há ainda muitos
estudos sobre a suplementação de beta-alanina em praticantes de musculação, no
entanto, a partir das evidências teóricas deve-se fazer os seguintes
questionamentos: se ela aumentaria a performance; se o aumento de performance
seria relevante; se as alterações seriam benéficas em longo prazo.
Considerações finais
Confrontando os treinos realizados nas academias com as evidências científicas
disponíveis, é nítido que a maioria dos praticantes de musculação realiza um
volume excessivo de treino. Portanto, a falta de energia e motivação reportada
por muitos, provavelmente é consequência do overtraining. Para se romper tais
barreiras, seria necessário fazer modificações no planejamento e contar com a
determinação e esforço individual. Mas, por falta de uma, de outra ou das duas,
têm se buscado soluções mágicas, o que levou ao aumento da utilização dos
"pré-treino".
Como sempre, quando lidamos com interesses financeiros, deve-se ter cuidado com
os propagandas, mesmo que elas citem estudos, normalmente são estudos
manipulados e cujos resultados divergem largamente das evidências científicas
disponíveis. Com esses suplementos, por exemplo, existem alguns estudos
financiados que apontam estranhos efeitos positivos. Mas o que se pode concluir
com base na literatura e nas bases teóricas disponíveis é que tais suplementos
dificilmente trariam os resultados prometidos para praticantes de musculação,
além de terem potenciais efeitos negativos na saúde do usuário.
Paulo Gentil.
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