O interesse por séries de treinamento, exercícios e métodos eficientes para
um bom desenvolvimento muscular desvia a atenção de profissionais e entusiastas
do treinamento de força do que acontece no interior da fibra muscular, sendo
este conhecimento de fundamental importância na determinação das variáveis que
envolvem a prescrição do treinamento. Antes de pensarmos em séries, exercícios,
métodos, precisamos fazer uma pergunta, como acontece a hipertrofia muscular?
O músculo esquelético é um tecido maleável capaz de alterar o tipo e a
quantidade de proteína em resposta a desvios na homeostase celular. O complexo
processo de adaptação induzido pelo exercício envolve mecanismos específicos de
sinalização, replicação de seqüência de DNA, uma subseqüente tradução do código
genético em uma série de aminoácidos para criar novas proteínas. As
conseqüências funcionais dessas adaptações são determinadas pelo volume de
treinamento, intensidade e freqüência, e a meia-vida da proteína. Além disso,
muitas características de adaptação de formação são específicas para o tipo de
estímulo, tal como o modo de exercício. (Coffey et al., 2007)
Exercícios de força perturbam a homeostase do músculo, levando a ativação de
processos catabólicos e anabólicos dentro da célula muscular. Na tentativa da
manutenção de equilíbrio, nosso organismo é forçado constantemente a se
reorganizar após estímulos estressores criandouma nova configuração que para que
esteja “protegido” de novas adversidades. Esta nova configuração depende de um
“maquinário” eficiente preparado para produção de novas proteínas que darão
estrutura plástica a fibra muscular, isto é claro de acordo com a especificidade
do estímulo que lhe é imposto e a resposta que ele terá frente a este estímulo.
Assim como a sinalização celular ativa determinadas vias, também pode inibi-las.
Este balanço entre produção e degradação de proteínas é que levará uma
configuração adequada de acordo com as necessidades nova da fibra. Desta forma,
a hipertrofia acontecerá quando houver predomínio da via de síntese em relação à
via de degradação de proteínas.
Uma das principais vias de sinalização para síntese de proteínas é a clássica
via da AKT. A proteína AKT ou serina/treonina quinase ou ainda PKB (proteína
quinase B) exerce um papel fundamental na sinalização intracelular para síntese
de proteínas. A via AKT/mTor é ativada através de estímulos diversos como
hormônios, citocinas, fatores eucarióticos, entre outros. Uma cascata de reações
se inicia com a ativação de uma proteína de membrana PI3K (fosfoinositol 3
kinase) que ativará a AKT. A Ativação da PI3K por meio de um ligante específico
irá fosforilar o fosfolipídio de membrana PI2P e converte-o em PI3P que criará
um sítio de ligação na membrana plasmática para a AKT. Um dos principais fatores
que levam a ativação da PI3K é a interação entre o IGF1 com seu receptor, que
leva a ativação da mesma (Yamada et al., 2012; Leger et al., 2006). No entanto,
somente a contração muscular é um eficiente agente estressor responsável pelo
início desta via de sinalização (Yang et al., 2002)
Após a ativação da AKT ela poderá tanto inibir vias de degradação protéica como
ativar vias de sinalização para síntese de proteínas. Sua ação como inibidora do
processo de degradação protéica se manifesta quando fosforila as enzimas GSK3ß,
FOXO e TSC2 responsáveis pela diminuição do processo de tradução, pela inibição
do fator de iniciação eucariótico eIF2B (com impedimento da transcrição gênica)
e inibição da mTOR, respectivamente (Hornberger et al., 2007).Já a sua
sinalização para síntese de proteínas continua com a ativação da enzima mTOR,
responsável por controlar o crescimento celular (Deldicque et al 2005)
O controle da síntese protéica pela mTOR se dá pela fosforilação de duas outras
enzimas 4E-BP1 e p70s6k. A fosforilação da p70s6k leva a hiperfosforilação da
S6K que favorece o processo de síntese de proteínas agindo no aumento da
tradução do RNA de proteínas ribossomais e fatores de alongamento. A enzima
4E-BP1 em repouso está associada com um fator de iniciação eucariótico
denominado eIF4B. Após sua fosforilação esta associação é desligada permitindo o
início da tradução. (Fugita et al., 2007; Wang et al., 2006)
A mTOR pode ser ativada independentemente da sinalização via AKT pelo ácido
fosfatídico dependente da fosfolipase-D. Sinais de mecanotransdução mais
evidentes em contrações excêntricas separam as ligações existentes entre a α-actina
e a fosfolipase-D, ativando esta última, diminuindo sua inibição, de forma a
aumentar a produção de ácido fosfatídico e ativação da mTOR. (Hornberger et al
2007)
A mTOR ainda pode ter sua ativação impedida pela ação da TSC2 que é fosforilada
e se torna ativa pela proteína quinase A ou AMPK. A AMPK tem sua ativação
aumentada em atividades com características aeróbias sendo as de alta
intensidade mais eficiente. Este é um ponto de regulação importante onde existe
um cruzamento de sinalizações voltadas para hipertrofia ou mesmo para o
emagrecimento, pois esta proteína é importante na ativação e inibição de outras
proteínas que favorecerão o acúmulo ou utilização de gordura como fonte de
energia (Deldicque et al 2005).
Contrações concêntricas, que causam maior recrutamento de unidades motoras,
gastam uma maior quantidade de ATP, o que leva um aumento na concentração de
AMPK, que leva a ativação da TSC2 e pode prejudicar a hipertrofia. Porém cabe
lembrar que esta não é a única forma de se ativar a mTOR havendo outros
processos que levam ao aumento de síntese de proteínas (Vissing et 2011).
Outra maneira de aumentar a síntese de proteínas é com o aumento no número de
mionúcleos através da quimiotaxia de células satélites. Estas estruturas
localizadas entre o sarcolema e a lâmina basal permanecem em estado de repouso
até que uns estímulos as forcem passar por um processo de ativação, proliferação
e diferenciação. O treinamento de força,em especial aqueles que causam um
elevado grau de microlesões, a ação de hormônios como a testosterona, insulina,
GH, IGF1, MGF e agentes do sistema imunológico como fator de crescimento
endotelial, fator de crescimento de hepatócitos, interleucina 6 entre outros,
desencadeiam o processo de ativação, diferenciação e proliferação das células
satélites (Kadi et al 2004).
Estas mesmas células têm sua ativação prejudicada pela atuação de fatores da
família dos transformantes e o mais pronunciado deles seria a Miostatina. Além
de atuar ativando fatores de transcrição que levam a degradação protéica, esta
proteína age também inibindo a diferenciação e proliferação das células
satélites (McPherron et al 1997 Reisz-Porszasz et al 2003).
Treinamentos com características metabólicas, em particular os com oclusão
vascular, também podem ocasionar microlesões e contam com a mobilização das
células satélites no processo inflamatório, que leva à angiongese e miogenese
devido ao processo de isquemia-reperfusão que é característico deste método de
trabalho. Importante ressaltar que neste tipo de trabalho à grande ativação da
mTOR em resposta ao tipo de estímulo (Rubin et al 1996).
Para que todo o processo de síntese de proteínas aconteça de maneira eficiente
parece ser necessária uma concentração mínima de insulina no plasma, importante
para estimular a síntese de proteínas musculares em resposta à ingestão de
carboidratos. A insulina ativa a atividade de membros da família de receptores
de substratos de insulina que ativa fatores de transcrição nucleares
responsáveis pela síntese de proteínas contráteis. Concentrações ideais de
alanina são fundamentais para aumentar a síntese de proteínas além de elevar,
mesmo que de maneira discreta os níveis de insulina que também é um agente
desencadeador do processo (Deldicque et al 2005).
Embora o conhecimento de biologia molecular seja essencialmente teórico, é de
fundamental importância seu aprofundamento para que a partir das adaptações
causadas pelos estímulos decorrentes do treinamento de força possamos tornar
mais eficaz a prescrição de treinamento.
FONTE: GEASE