O glúteo máximo é o maior e mais superficial dos glúteos, com origem no íleo e
sacro e inserção no fêmur, tendo como ação principal a extensão do quadril.
Aparentemente, esse músculo foi criado com a finalidade de produzir movimentos
fortes e rápidos. Algumas evidências para isso são sua grande área de secção
transversa em relação ao comprimento, seu ângulo de penação e a elevada
proporção de fibras tipo II. Por esse motivo, é recomendável que tal músculo
seja exercitado por meio de treinos que envolvam elevada produção de força, fato
comprovado em estudo recente (Bryanton et al., 2012). A confirmação dessa
sugestão fica bem clara ao analisarmos o desenvolvimento dessa musculatura em
velocistas, saltadores e levantadores de peso, por exemplo.
No entanto, dentro das academias se criou a cultura de trabalhar o glúteo máximo
de uma maneira totalmente diferente dessa proposta, utilizando-se pouca carga e
muitas repetições em exercícios de isolamento, como a extensão de quadril em
quatro apoios. Interessante notar que a exaltação desse exercício é quase uma
exclusividade brasileira, uma invenção que se tornou febre e virou presença
obrigatória nos treinos femininos. Mas a utilização de exercícios de isolamento
para glúteos é algo extremamente questionável do ponto de vista técnico. Alguns
aspectos a se considerar são:
• Ativação muscular
Em um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Belmont, foi
analisada a atividade eletromiográfica do glúteo máximo em 24 pessoas durante
diferentes exercícios. De acordo com os resultados, dentre os exercícios
dinâmicos, o que promoveu o maior recrutamento foi o agachamento realizado com
uma perna. A popular extensão de quadril em quatro apoios ficou para trás,
empatada o stiff. Por curiosidade, o agachamento unilateral (próximo ao
exercício conhecido como afundo ou avanço), promoveu recrutamento elevado tanto
do glúteo máximo quanto médio, superando tanto o exercício em quatro apoios
quanto os exercícios de abdução de quadril em decúbito lateral (Boren et al.,
2011), ou seja, valeria mais fazer ele do que os outros dois juntos.
Importante destacar que esses testes foram realizados com cargas mínimas e sem a
observação de alguns parâmetros que utilizamos na sala de musculação com o
intuito de tornar o exercício ainda mais eficiente, como amplitude de movimento
e controle de velocidade. Portanto, se pensarmos nos exercícios conforme eles
são executados na academia, certamente as diferenças em favor do agachamento e
do stiff seriam ainda maiores!
Nesse sentido, deve-se reforçar que a participação do glúteo máximo no
agachamento é maior quanto maior for a amplitude de movimento. A contribuição do
glúteo máximo no agachamento parcial é de 17%, no agachamento até as coxas
ficarem paralelas ao solo é de 28% e chega a 35% no agachamento completo, sendo
que, nesse último caso, o glúteo máximo é o principal músculo envolvido no
movimento, à frente, inclusive, dos músculos do quadríceps (Caterisano et al.,
2002). Outro ponto importante é que, durante o agachamento, a musculatura
posterior passa a ser mais envolvida quando se utiliza sobrecargas, ou seja, a
produção de força é importante (Shields et al., 2005). Inclusive, estudos
anteriores verificaram que o aumento de carga no agachamento faz com que haja
maior trabalho dos glúteos do que dos extensores de joelho (Flanagan & Salem,
2008; Bryanton et al., 2012). A sugestão é que os músculos do quadríceps seriam
totalmente ativados e, para conseguir vencer sobrecargas maiores, os glúteos
entrariam em ação. Portanto, para envolver a musculatura da cadeia posterior,
incluindo os glúteos, é importante, usar grandes amplitudes e se trabalhar com
cargas elevadas.
Cabe fazer uma pequena observação com relação às variações do agachamento
realizadas com o intuito de enfatizar o trabalho dos músculos do quadril.
Estudos anteriores envolveram análises biomecânicas e eletromiográficas e
verificaram que o grande afastamento dos pés não favorece o trabalho de glúteo e
nem dos músculos adutores (McCaw & Melrose, 1999; Escamilla et al., 2000;
Escamilla et al., 2002). Inclusive, se pensarmos que há maior envolvimento do
glúteo com o maiores ângulos de flexão do joelho e quadril, pode-se sugerir que
o uso dos pés muito afastados diminui o trabalho do glúteo, por diminuir a
amplitude de movimento.
• Amplitude de movimento e alavancas
Um grande problema dos exercícios de isolamento para glúteos é a dificuldade de
se trabalhar com grandes amplitudes. Durante os exercícios com caneleiras,
realizados com o joelho flexionado, por exemplo, o braço de resistência torna-se
muito pequeno ao final da fase excêntrica. Já quando o trabalho é realizado com
o joelho estendido, a musculatura não é adequadamente alongada pois o pé baterá
no solo. Em ambos os casos, a redução da amplitude do movimento prejudica os
resultados obtidos com o treino, tendo em vista que essa variável é extremamente
importante para os ganhos de força e massa muscular (Weiss et al., 2000; Massey
et al., 2005; Gentil, 2011).
• Possibilidade de intensificar o exercício
Outro grave problema dos exercícios de isolamento é a limitação que se tem no
trabalho com grandes intensidades. Além do que foi falado anteriormente sobre a
importância da sobrecarga para o caso específico do glúteo, deve-se lembrar que,
de uma forma geral, para se obter ganhos de massa muscular, é essencial que o
músculo seja estimulado com intensidades adequadas (Gentil, 2011), no entanto,
durante os exercícios de isolamento de glúteos há muita dificuldade em conseguir
esse trabalho devido à interferência causada pela fadiga de músculos posturais e
estabilizadores, bem como a dificuldade em se utilizar implementos adequados.
Como solução, normalmente se trabalha com margens muito elevadas de repetições e
cargas baixas (treinos com 30 repetições submáximas, por exemplo) uma estratégia
que não funciona para hipertrofia em músculo algum. As evidências científicas
são claras ao demonstrar que treinos com cargas leves e muitas repetições
promovem poucos ganhos de força e massa muscular (Campos et al., 2002; Fry,
2004; Gentil, 2011).
Por fim o próprio conceito de exercícios de isolamento é frágil. Deve-se deixar
claro que a utilização dos exercícios de isolamento não fornece vantagem em
relação aos exercícios multi-articulares, seja com relação à ativação, aos
ganhos de força ou de massa muscular (Signorile et al., 1994; Rogers et al.,
2000; Rocha Jr et al., 2007).
Se o glúteo é bem estimulado durante os exercícios complexos, como agachamento,
afundo, levantamento terra, etc, não há porque inserir exercícios de isolamento
em seu treino. Seria um aumento de volume desnecessário e até mesmo prejudicial,
pois o trabalho de baixa intensidade e longa duração pode interferir
negativamente nos ganhos de força e massa muscular (Leveritt et al., 1999; Nader,
2006).
Existem também fortes evidências práticas que deixam clara sua falta de
necessidade. Por exemplo, atletas de ambos os sexos, como velocistas, saltadores
e levantadores de peso atingem os maiores volumes de glúteo que se pode
encontrar entre os seres humanos e treinam basicamente com exercícios complexos.
Ou será que alguém consegue imaginar o Ben Johnson, Usain Bolt, Yelena
Isinbayeva, Ana Claudia Lemos, Keila Costa ou Maurren Maggi, treinando em quatro
apoios com uma caneleira na perna??
Enfim, diante das evidências teóricas e práticas que apontam para a
ineficiência, e até mesmo do potencial efeito negativo, dos exercícios em
isolamento para glúteos, em especial os realizados com caneleiras, recomenda-se
que os mesmos não sejam utilizados pelos praticantes de musculação que buscam
melhorar a estética e a função dessa musculatura. Dessa forma, os praticantes de
musculação podem poupar tempo e obter melhores resultados eliminando tais
movimentos de seus treinos.
fonte: GEASE